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COM SÍNDROME DE USHER
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ENTREVISTAS
08/2024
Rosani Suzin
Rosani, 57 anos, nasceu em São Lourenço d’Oeste – SC e atualmente mora em Curitiba - PR. Nesta entrevista ela nos conta sobre as barreiras da comunicação, libras, trabalhos com surdocegos e também sobre a síndrome de Usher.
Confira!
1) Rosani conta para nós como descobriram sua surdez.
A história é bastante longa... Minha mãe não conhecia nenhum surdo e falava para minha avó que achava que eu já devia estar falando alguma coisa. Minha avó respondia: “Deixa de ser boba! Tem criança que demora para falar, isso é normal! Tem criança que começar a falar com 4 ou 5 anos!”. Minha mãe sempre ficava assim, como dizem “com a pulga atrás da orelha”. Um dia eu tinha em torno de 7 meses, minha mãe me levou ao médico e que também era muito amigo nosso, contou toda a história e ele no começo, também achou que não era nada e que me achava muito esperta e que gostava de brincar, de rir... Mas mesmo assim ele resolveu fazer um teste: me deixou em cima da cama e ficou atrás de mim, bateu no ferro da cadeira várias vezes fazendo um barulho bem alto e mesmo assim eu não reagia e nem olhava para trás... Aí ele virou para minha mãe e disse que realmente tinha algo errado comigo. Depois disto minha mãe me levou em vários médicos, fomos para São Paulo, aqui em Curitiba e dali diante foi sempre assim... Eu tentei usar aparelho mas não conseguia, não me adaptei... parecia que minha cabeça estava dentro de uma colméia de abelha, fazia muito barulho e aí o médico falou que minha surdez era profunda e que o aparelho auditivo pouco ia resolver.
2) E como foi que você aprendeu Libras?
Quando eu tinha 3 anos, minha mãe me colocou no internato aqui bem próximo onde eu estou morando hoje, só que agora não é mais internato, é uma escola. Neste internato só podia ser comunicação oral, não podia falar nada em língua de sinais. Para mim, foi um sofrimento danado... Aí eu fiquei nessa escola até o 7 anos de idade e depois minha mãe me tirou de lá e fui morar na cidade em que ela morava. Ela era professora e fundou uma classe de surdos e eu fui estudar com ela, mas também era oral porque naquela época era proibido a libras. Foi um sacrifício muito grande, mas quando reunia só surdos, a gente falava em língua de sinais naturais, não era libras, eram língua de sinais naturais (gestos). A gente se divertia muito, desabafava o que a gente tinha vontade de falar. Os anos se passaram e eu fui estudar em Londrina em uma congregação de irmãs que trabalhavam só com surdos e lá também era oral. Mas na cidade tinha as associação dos surdos e a gente frequentava, então aí comecei aprender libras... Fui me libertando dessa angústia de falar oralmente que para mim era um grande sofrimento, porque nós surdos profundos temos a nossa forma de comunicar por libras e todos deveriam aprender a respeitar os surdos, assim como nós respeitamos o português. Quando nós surdos ficávamos sozinhos sem os professores, eita! Eu ficava feliz! A gente falava muito em sinais, a gente lavava a alma e era tão bom!
3) E quando realmente você começou usar a libras no seu dia a dia?
Na escola eu ia descobrindo e aprendendo alguns sinais, mas eu fui me aperfeiçoando mesmo foi numa igreja. Esse pastor tinha conhecimento profundo de libras e eu comecei a participar. Foi aí que desenvolvi cada vez mais. Fiz o curso de libras e fui uma das primeiras instrutoras, comecei a dar cursos em Curitiba e em todo o Estado de Paraná. As pessoas foram se interessando, formamos vários intérpretes e a libras foi crescendo cada vez mais até que entrou na faculdade, graças a Deus! Depois de muito tempo, o governo reconheceu a língua de sinais como uma língua. Em 1995 teve um projeto na assembleia autorizando a libras no Estado do Paraná. Eu fui até no plenário e expliquei para todos os deputados a importância da libras para nossos surdos a qual foi aprovada por unanimidade. Depois disto fui me aprofundando cada vez mais, criando cursos de intérpretes, de instrutores e foi melhorando dia após dia.
4) Rosani conte para nós como você começou a ter problemas visuais.
Eu tinha estrabismo e o médico tratava só disso e nunca procurou fazer um exame para ver se eu tinha algum problema mais sério. Eu caia, esbarrava, batia muito nas portas, nas cadeiras... enfim eu vivia com as pernas marcadas de tantas batidas e aí a gente via que não era o problema do grau dos óculos, mas sim um problema visual bem mais sério... Aí um certo dia, eu fui no consultório com meu pai e disse para o médico sobre as minhas dificuldades para enxergar, mas o médico não queria me examinar direito e meu pai irritado, insistiu para fazer exames mais profundo. E foi assim que consegui fazer os exames próprios da retina e concordaram com o meu pai que realmente eu estava com problema sério da visão e isso eu já estava com 26 anos de idade. O médico falou que eu estava com retinose pigmentar e estava perdendo a visão...
5) Depois que você soube que estava com a retinose pigmentar, qual foi a sua reação?
Bem como eu já falei eu descobri com 26 anos de idade, e foi um choque muito grande para mim e para minha família. Foi um desespero que não gosto nem de lembrar. Fui em vários médicos como em Minas Gerais, São Paulo e Curitiba. Foi uma luta muito grande e meus pais já não sabiam mais o que fazer e até hoje eles vivem perguntando para médicos se há algum tratamento, mas dizem que por enquanto é para aguardar, não tem nada de concreto, que tudo está em experiência. Coloquei meus olhos na mão de Deus, ele é que vai resolver, ele que vai ver o momento exato e que vai dar sabedoria para que os médicos descubram a cura.
6) Foi nessa época que você também ouviu falar sobre a síndrome de Usher?
Sim, foi nessa época mais ou menos que eu ouvi falar em síndrome de Usher, retinose pigmentar... Eu estou sempre pesquisando, perguntando para meus amigos de outros países mais avançados. Então a gente se corresponde com eles e eles vão me orientando, passando novidades e me ajudando... Sempre estou lutando para que todos os surdocegos participem comigo, participem do grupo em que trabalhamos (grupo de pessoas que se comunicam por libras). Lá nos falamos muito, é um grupo bem interessado e que querem aprofundar mais no assunto. Então estamos sempre vendo notícias da medicina em geral e assim vamos vivendo o nosso dia a dia. Fui coordenadora dos surdos no Brasil, todos tem lutado muito e sempre me preocupo com todos e quero que aquilo que aconteça de bom para mim aconteça para todos também! Esse é o meu objetivo: que todos participem junto e que cada um seja um ombro amigo para todos os que tem síndrome de Usher. Sei que não é fácil, precisamos confiar na medicina e para isso temos que pedir para Deus todos os dias que dê sabedoria para nossos médicos.
7) Atualmente você trabalha?
Estou aposentada, já fui coordenadora nacional dos surcegos na Feneis aqui no Paraná, mas não paro! Estou sempre dando curso de libras tátil. Sempre sou procurada para orientar professores para surdocego, sempre tem surdos muito desesperados que não aceitam o problema. Precisa ter muita paciência para orientá-los, para que não caia em depressão. Tenho enfrentado casos muito sérios de surdocegos com problemas de depressão até com vontade de tirar a vida. Com essa situação procuro orientá-los com sabedoria que me vem do alto e assim vamos vivendo o nosso dia a dia.
8) Rosani, por causa da sua deficiência visual, você teve que adaptar às mudanças no seu dia a dia?
Sim! Tenho muita dificuldade para enxergar, principalmente à noite e nos lugares que não conheço. Mas muito sol, dias muito ensolarados também me atrapalha muito! Gosto da minha casa porque conheço parte por parte. Onde não conheço é muito difícil! Faz mais ou menos 14 anos que estou usando a bengala branca e vermelha e isto me ajudou bastante, ela me dá muita firmeza e segurança! Antes eu não aceitava! Eu tenho um cachorro pequeno que também me ajuda no caminho, já a bengala me conduzo bem e tenho mais firmeza. Mas mesmo assim vivo com as pernas e os braços roxos de tantas batidas e a cabeça também! Minha mãe fala que vai fazer vai mandar fazer placas de silicone em todo canto para não bater tanto a cabeça...rs
9) Qual conselho que você dá para pessoas surdocegas que precisam usar a bengala e que relutam a usar?
Eu aconselho a todos os surdocegos que aceitem o problema! Tirem o preconceito, isso nada vai resolver! Aceite o problema, use a bengala que isso vai ajudar muito! Inclusive as pessoas dão mais respeito para as pessoas que estão com a bengala. Eles procuram olhar com mais carinho e nós temos que aceitar a nossa situação. Eu vi na Espanha uma mulher surdacega caminhando feliz com seu marido, mas ela usava a bengala e isso me deu muita força e me fez eu aceitar cada vez mais. Vi também no Canadá, muitas pessoas com bengalas e isso me fez eu aceitar mais ainda! Temos que aceitar nossas limitações!
10) Rosani, você acha que se tornou uma pessoa melhor depois que soube que tem a Síndrome de Usher?
Não posso mentir, a vida não é fácil! Entro em depressão mais facilmente porque existem muitas barreiras de comunicação na própria família, com os irmãos e sobrinhos... Há o isolamento e isto é muito triste. Sou umas das poucas pessoas que sabe a língua tátil em casa e peço principalmente que tenham paciência, luto muito para poder ajudar os meus amigos surdocegos, mas nunca vou esconder que é muito difícil! Precisamos lutar muito para termos guia-intérpretes, acompanhantes, mas nossos governantes não tem conhecimento nenhum! Precisa nos ajudar, precisa sentir o quanto nós sofremos, nós precisamos ser independentes mas também precisamos de guia-intérpretes e acompanhantes sim!
11) E qual é o conselho que você dá para as pessoas que acabaram de saber que tem a síndrome de Usher?
O conselho que eu dou para surdo com síndrome de Usher: Que não podem ser acomodar, precisamos lutar muito! Não podemos cruzar os braços, a nossa luta é muito grande, a nossa caminhada é muito longa, mas nós precisamos fazer as autoridades entenderem os nossos direitos e vamos lutar juntos de mãos dadas! Não podemos se acomodar, não podemos esperar pelos outros! Juntos somos fortes! Melhorar acessibilidade porque não adianta ter um livro bonito com muitas leis e não são executadas! Precisamos tirar da gaveta e lutar pelos nossos direitos!
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