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ENTREVISTAS

05/2019

Aline de Fatima Pereira da Cunha
Aline de Fatima Pereira da Cunha

Aline de Fátima tem 36 anos e mora em Bebedouro, São Paulo. Nesta entrevista ela nos conta como superou as barreiras da Síndrome de Usher. Confira!

1) Aline conta para nós como descobriram sua surdez.

Quando eu nasci os médicos fizeram todos os exames, viram que eu não tinha nada, eu nasci perfeita. Mas a partir de cinco anos, minha mãe percebeu que eu tinha queda da audição. Na época eu tinha muitas infecções na garganta, cheguei até ficar internada por isto, então eles achavam que o meu problema de audição era devido à estas infecções. Mas aí fiz a cirurgia das amígdalas, o que melhorou de vez meus problemas da garganta, mas continuei escutando com dificuldades. Então minha mãe me levou no otorrino e constatou que tinha perda auditiva. Ele me indicou usar aparelhos auditivos mesmo tendo perda auditiva leve.

 

2) E como foi sua adaptação com os aparelhos auditivos?

Comecei usar os aparelhos auditivos logo nos primeiros anos na escola, mas confesso que tinha vergonha. Eu na verdade evitava usar os aparelhos, porque sofria bullying por isto, os colegas me zoavam muito...

Quando o pessoal percebia que eu usava aparelhos, eu ficava muito deprimida... chegava a tampar os aparelhos com os cabelos, mas mesmo assim percebiam a minha surdez de qualquer jeito.

Eu tinha dificuldade de relacionar com meus amigos, era muito tímida e além disto eu também tinha problemas da fala, trocava palavras... os colegas achavam engraçado a maneira como eu falava errado, mas ninguém levava em conta que era por causa da surdez. Apesar de tudo, acho que, na época, deveria ter tido acompanhamento com fonos, mas não tinha condições para ir em consulta particular. Mas como diz minha mãe, nunca falaram para ela que eu precisava de uma fono, talvez neste caso não precisava...

Eu ia em Barretos somente para conferir como estava meus aparelhos... E os aparelhos estavam sempre ótimos, é claro! Eu é que não usava direito... Durante as aulas, eu tirava e colocava dentro da bolsa, dentro do estojo ou no bolso da calça... Tanto na infância como na adolescência, eu sempre fazia isto, tudo para evitar o bullying...

Apesar de que na época eu tinha consultas regulares com otorrinos que me diziam que eu deveria usar os aparelhos diariamente mas, por vergonha evita usá-los. Isto complicou meus problemas auditivos principalmente quando era adolescente, até porque no SUS só dão acompanhamento às crianças e depois disto não tem mais consultas... E foi justamente na adolescência que minha surdez passou de leve a moderada...

 

3) Como você descobriu que tem a retinose pigmentar?

Eu tinha 14 para 15 anos. Sentia que tinha algo errado comigo, mas não sabia dizer exatamente o que era...

Percebia que muita gente falava que via as coisas à noite e eu não, por exemplo, quando jogava vôlei à noite eu não enxergava a bola... muitos falavam para mim e eu não queria entender, mas na verdade, não estava enxergando direito mesmo... Para mim, isto era estressante.

Comentei sobre isto para minha mãe e fomos no oftalmo aqui do SUS Bebedouro. O médico constatou que estava com perda visual, mas ele não era especialista nisto e achou melhor que eu consultasse com médicos em São Paulo. Mas houve contratempos: minha mãe não poderia faltar no trabalho dela e então pagaram uma consulta particular para mim. Ao passar por este médico, ele nos disse que eu estava bem, não tinha nada e receitou óculos só para cansaço....

Mas depois de tudo isto, mesmo usando estes “óculos para cansaço”, eu caía, tropeçava, levava tombos atrás do outro, e minha mãe ficou indignada, pois viu que não estava certo o que passava comigo e resolveu procurar uma terceira opinião em Barretos. O oftalmo de lá percebeu que eu estava perdendo a visão e como não era especialista em retina, me encaminhou para ir com Doutor Marco Dávila, retinólogo de Goiânia para fazer mais investigação. A prefeitura cedeu o carro para nós, fomos num Domingo e chegamos no dia seguinte. Com Dr. Dávila, fiz vários exames e no fim foi constatado que tinha perdido 50% de minha visão e que era retinose pigmentar. Como estava usando os aparelhos auditivos, o médico no fim, concluiu que tenho síndrome de Usher. Hoje, eu consulto pelo menos 1 vez por ano,  com a Dra. Paula Miyasaki de São José do Rio Preto. Sempre procuro saber como está minha retinose.

 

4) Qual foi sua reação ao saber do diagnóstico da Síndrome de Usher?

Meu mundo desmoronou. Eu não sabia para que lado eu ia. Não imaginava que tinha perdido tanto assim a minha visão e nem sabia o que era a síndrome de Usher... Depois que o médico explicou para nós, fiquei muito apavorada. Até hoje eu me pergunto como evoluiu a minha perda visual e como ninguém descobriu isto antes? Não foi fácil para mim, na época tinha 14/15 anos e passei por depressão e chorava muito... Demorou, mas aos poucos eu me superei pois precisava terminar meus estudos.

 

5) Você continuou seus estudos após esta fase?

Sim, apesar de tudo, continuei com meus estudos. Terminei o colegial no período da manhã mas comecei o curso técnico de enfermagem no período da noite, único período disponível pela escola na época. Não foi nada fácil pois as dificuldades para enxergar eram maiores, mas mesmo assim consegui terminar o curso pois tinha desejo em trabalhar.

 

6) Você chegou a trabalhar?

Sim, trabalhei por duas vezes em um hospital da cidade de Bebedouro. Na primeira passagem em 2004, trabalhei por poucos meses no período noturno. Em 2006, retornei ao mesmo hospital, dessa vez no período da manhã e por lá fiquei mais sete meses. Na época que comecei a trabalhar, eu não contei nada sobre a síndrome de Usher, porém com o tempo também não dava mais para esconder...

Sempre fui profissional, sempre procurei ser coerente na minha função, mas não conseguia ver mais as ampolas e as cartelas de remédios... O pessoal também percebeu as minhas dificuldades da audição e visão e por isto não me deixaram trabalhar mais por lá. Fui remanejada do hospital para UBS até meu deslocamento. Eu tenho muito orgulho de ter sido técnica de enfermagem. Gostava muito de atuar. Gostei muito de exercer a função enquanto eu pude, eu tentei até aonde podia chegar, mas isto aconteceu bem na época que tive outros contratempos marcantes da minha vida pessoal. Foi um baque muito grande, estava depressiva e um dia fiz a ingestão de muitos medicamentos, fiquei na UTI, quase morri... A recuperação foi bem difícil, mas Deus me deu a graça de viver novamente.

Em 2008, voltei a estudar, fiz curso técnico de informática. Exerci esta função em um escritório de advocacia, mas fiquei por pouco tempo porque tive muitos problemas para me adaptar, então foi a última vez que trabalhei.

 

7) Hoje você participa de alguma atividade?

Sim, estou desde o ano passado participando em uma associação que se chama AMO - Associação Menina dos Olhos dos Deficientes Visuais de Bebedouro-SP. É uma associação voltada para deficientes visuais que tem o intuito de ensinar habilidades em orientação e mobilidade, braile, informática e recursos acessíveis aos deficientes visuais. Tem também cursos de culinária, artesanato, artes, aulas de musica além de terapia individual e em grupo, terapias de relaxamento, ioga e meditação. Tem outros serviços como o serviço social e o apoio às famílias dos usuários.

 

8) E dentro destas atividades qual que você mais gosta e se identifica?

Eu particularmente gosto muito de artesanato, principalmente trabalhos com madeira MDF. Gosto de pintar caixas, telas de MDF entre outros.

Lá a gente aprende todos os tipos de artesanato e conforme for a gente vai se adaptando com as dificuldades, como por exemplo, antes eu conseguia bordar, mas hoje eu não consigo enfiar uma agulha... mas isto não me impede de fazer tapete de pompom. Estamos sempre aprendendo coisas novas e a gente aprende a se socializar também.

Mas tem outras coisas que estou gostando como a culinária que eu não gostava antes.

Tem também as aulas de violão e lá tem gente que não enxerga nada e toca violão maravilhosamente! Fico espantada em ver como tem gente talentosa! Por causa disto, comprei meu violão, e agora estou aprendendo a tocar! Isso é uma coisa que eu sempre tive vontade de aprender e é um sonho que estou realizando!

 

9) Nessa associação também tem outros serviços além de orientação e mobilidade?

Lá também tem assistência social e terapia individual e em grupo, o que ajuda muito a gente, sabe? Para mim foi muito bom participar desta associação porque além de tudo isto, a gente se enturma com outras pessoas que tem deficiência visual, sejam cegos ou com baixa visão... A gente conversa, diverte, participa de quase todas as atividades que a associação oferece. Como disse, estou aprendendo violão e tem gente que não enxerga, acabam me ajudando a tocar o violão, isto é muito legal! Estou gostando tanto que vou na associação 2 vezes por semana no período da tarde, mas eu já pedi para aumentar o tempo, só estou aguardando a vaga... Sabe, eu fiquei muitos anos fechada dentro de casa e então, fiquei sem saber como era conversar com as pessoas... Hoje isto mudou, estou mais aberta e também estou mais preparada! Além de aprender usar bengala, agora estou aprendendo Braile e aprendi um pouco de Libras, coisas que antes não aceitava, mas hoje aceito com naturalidade. Através da AMO participo também do Conselho Municipal para Assuntos da Pessoa com Deficiência de Bebedouro (CMAPDB) como suplente da deficiência auditiva.

Amo quando estou no AMO! rs...

 

10) Então você usa bengala? Conte para nós como é usar uma bengala.

Sim, hoje eu tenho 10% de visão, então eu preciso da bengala... aprendi a usar e venci a vergonha. Mas a gente tem que ter cautela, tem que ter confiança, porque a partir do momento que você não tem confiança naquilo que você tem em suas mãos você não consegue fazer nada, entende? A bengala é uma forma de você ter mais autonomia, ajuda muito e aprendi isso na AMO!

 

11) Você disse que aprendeu Libras também, você pretende continuar com o curso de Libras?

Acredito que mais tarde, eu faça um curso de Libras, vou me inscrever no SENAC aqui da cidade. Acho importante fazer este curso. Sabe, eu penso assim: o futuro a Deus pertence, então no caso se eu perder a audição a Libras vai me ajudar bastante e se eu perder a visão, o Braille também vai me ajudar bastante. Portanto, penso em aprender tudo agora, não deixar mais para a frente, porque senão vai ser mais complicado para mim.

 

12) Aline quais são as dicas que você dá para evitar cair, tropeçar, para escutar melhor?

Olha não sei se sou uma pessoa indicada para dar dicas... rs

Mas aprendi dicas valiosas nas aulas de orientação e mobilidade na AMO como, por exemplo, o uso adequado da bengala, do guia vidente, rastreamento de objetos e do ambiente, treinamentos, estratégias de proteção no caminhar em lugares públicos além de dizer para as pessoas me avisarem quando mudam as coisas de lugar em ambientes que eu frequento para evitar tropeçar e/ou cair.

Para o pessoal de casa também falo quanto às mudanças do local dos móveis, isto vale não só para mim que tenho Usher, mas para qualquer pessoa que tem deficiência visual.

Quando eu saio procuro levar a bengala e nunca saio sozinha. Geralmente quando eu saio, minha mãe me acompanha.

Mas é aquela coisa: a gente tem que ter paciência com as pessoas que estão andando junto com a gente. Nem sempre eles lembram das suas dificuldades para enxergar... É ruim ser dependente dos outros, mas dependendo da pessoa com deficiência visual se ela se sentir segura com a bengala, ela conseguirá andar sozinha.

Quanto à audição a dica que dou é: não deixe de usar o aparelho auditivo por nada! Não tenha vergonha!

 

13) Hoje você usa direto seus aparelhos de audição?

Sim! Diferente de quando eu era mais nova, uso direto. O fato de eu não ter usado aparelho auditivo direito, pode ter prejudicado ainda mais a minha audição. Sem eles eu não sou nada, mas só o tempo dirá até quando eu vou conseguir usar meus aparelhos porque eu já passei da perda moderada para severa. Então, hoje não tenho mais vergonha, sei que é uma coisa útil para poder ouvir melhor. Se alguém faz alguma brincadeira de mal gosto por causa dos aparelhos eu não ligo mais, eu dou a volta por cima. Agora sempre lembro que os aparelhos servem para mim e está me fazendo bem.

 

14) Aline você acha que existe muito preconceito em relação à pessoa com deficiência?

Sim acho! Tem gente que fala que não existe preconceitos, existe sim!

Eu por exemplo, namorei bastante quando eu era mais nova e naquela época, no começo, eu não falava que tinha a síndrome de Usher. Aos poucos eu contava e alguns até entendiam, outros já zoavam de mim por isto. E não existe preconceitos somente com pessoas com deficiência, há todos tipos de discriminação. Eu já fui uma pessoa magra e hoje por ter hipertiroidismo, engordei muito. Hoje muita gente não compreende e acha que nunca fui magra. Então sinto preconceito por ser gorda e com deficiência. Tem gente que acha a pessoa com deficiência é uma pessoa impossibilitada de namorar, de fazer as coisas normalmente que todos fazem. Não é fácil para as pessoas entender, mas uma pessoa como eu, mesmo com tantos problemas, posso ser feliz, posso namorar novamente. Não posso fazer tudo, mas eu gosto das coisas que eu faço.

 

15) Você explica para as pessoas que você tem a Síndrome de Usher?

Quando era mais nova eu tinha vergonha de contar, sabe? Tinha vergonha também de pedir auxílio para alguém. Muita gente até hoje nem sonha que tenho Usher... Hoje eu explico e mesmo assim, há desconhecimento muito grande...

 

16) Aline, você acha que aprendeu muito com a Síndrome de Usher?

Hoje eu entendo mais da Usher e penso de outra forma: não tenho mais vergonha de falar sobre isso, superei esta fase, Graças a Deus. Tudo o que passei foi um aprendizado para mim. Sim eu sofri bastante, mas eu aprendi bastante também.

Mas eu aprendi também, graças aos esforços das pessoas ao meu redor, principalmente minha mãe e aos técnicos do grupo AMO. Sem eles, acredito que seria bem mais difícil para mim. Quero deixar registrado aqui o meu agradecimento à minha mãe Maria Aparecida da Rocha que foi uma guerreira e que fez tudo por mim, foi esforçada e está sempre do meu lado. Agradeço também o meu psicólogo Thiago Lemos Toledo pela força que me deu! Para mim é muito gratificante em participar da AMO! Lá aprendi e ainda estou aprendendo a lidar com a vida de forma mais leve. Gosto das atividades, do atendimento, enfim tudo lá tem me ajudado muito!

 

17) Aline, qual conselho que você dá para as pessoas que acabaram de saber que tem a Síndrome de Usher?

Eu digo: nâo se desespere! Entregue na mão de Deus, ele sabe o que é bom para nós e porque passamos por isto.

Não tenha vergonha de dizer que é um usheriano. Temos nossas limitações, mas somos capazes de fazer quase tudo.

E se precisar de ajuda, peça! E se puder, faça terapia psicológica, isto também vai ajudar muito!

SAIBA MAIS SOBRE O TRABALHO DA AMO (Associação Menina dos Olhos)

A AMO - Associação Menina dos Olhos, em Bebedouro, realiza um trabalho com deficientes visuais de todas as idades, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e buscando assegurar que possam exercer de forma plena o seu papel honroso de cidadão.

A Ação Social Cooperada apoiou a AMO no projeto “Criando Arte”, que tem o objetivo de proporcionar mais autonomia aos deficientes visuais através de estímulos artísticos, que possibilitem às crianças e os adolescentes a descobrirem mais sobre o seu lado artístico.

Com o apoio, foram comprados materiais para serem usados nas atividades, permitindo com que a AMO faça esse projeto lindo realmente acontecer e que mais e mais pessoas explorem seu autoconhecimento! Todos estão orgulhosos!

Mais detalhes, acesse o link abaixo

http://cmapdbebedouro.no.comunidades.net/amo-associacao-menina-dos-olhos-bebedouro

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