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COM SÍNDROME DE USHER
E A SEUS FAMILIARES, PROFISSIONAIS E AMIGOS
ENTREVISTAS
01/2023
Aristides Daniel de Aguiar
Nesta primeira entrevista
de 2023, Aristides, 41 anos,
nasceu em Fortaleza – Ceará
e onde mora até hoje,
nos conta sua trajetória
na descoberta
da Síndrome de Usher.
Confira mais detalhes!
1) Conta para nós, como descobriram sua surdez.
Bem... Minha mãe já desconfiava desde quando eu estava na maternidade. Um dia meu avô deu uma gargalhada muito forte e eu não tive nenhuma reação, minha mãe achou estranho eu não me assustar ou olhar para meu avô, foi aí que ela começou a investigar. Depois de muitos exames viram que a minha perda auditiva era profunda, eu não escutava nada.
2) O médico te indicou aparelhos auditivos, você chegou a usar?
Sim, me indicou e eu cheguei a usar 2 aparelhos, mas não me adaptei e parei de usar.
3) E como foi que você aprendeu Libras?
Na primeira escola que estudei foi bem difícil... lá eles não queriam que eu comunicasse em Libras, então eu aprendi bem tarde, já era adolescente. Tive que aprender muita coisa, mas depois que peguei o jeito foi ótimo, aí eu já conseguia me comunicar com as pessoas que sabiam libras. Estudei em escolas para surdos: no Instituto Cearense de Educação dos Surdos – ICES e no Instituto Filippo Smaldone – IFS.
4) Aristides, conte para nós como você começou ter problemas visuais.
Com a idade entre 6 e 7 anos mais ou menos aconteceu algo que foi marcante na minha vida: eu estava andando de bicicleta à noite na rua de casa e eu não consegui ver o poste de luz na minha frente e com isso bati a cabeça contra o poste e com o impacto, eu caí da bicicleta... Foi muito forte que abriu a minha testa saindo um osso para fora... Esse acidente me fez ir até o hospital e demorou muito para cicatrizar. Até hoje, ao tocar na testa, eu sinto a cicatriz. Mesmo com esse ocorrido, minha mãe não teve preocupação de saber o motivo de ter acontecido isso... Aos 8 anos de idade foi quando comecei a usar óculos, apenas para me ajudar na leitura, mas minha mãe começou a estranhar mesmo quando comecei a tropeçar nas pessoas ou quando batia nos objetos. Isso aconteceu diversas vezes em todos os lugares. Foi aí que minha mãe me levou nos oftalmologistas e como não sabiam o que eu tinha, buscou também ajuda na Sociedade de Assistência aos Cegos (Fortaleza) e também nada de diagnóstico. Fiquei nessa busca, nesses exames que nem eu, nem minha mãe sabíamos o que era... E isto foi durante os meus 7 a 14 anos... Foi bem difícil!
5) E depois destes anos, como você lidou com essa situação da falta de diagnóstico?
Olha... Depois de muitas buscas e de ficar sem respostas sobre meu diagnóstico, minha mãe foi procurar auxílio na justiça, explicou para o advogado o que estava acontecendo e ele depois de muitas pesquisas, achou um médico muito conhecido em Cuba, dizendo que lá havia profissionais competentes para resolver o meu caso. Minha mãe achou estranho essa indicação, mas enfim recebemos a documentação para preenchimento e enviamos para Brasília. Lá eles avaliaram e aprovaram o meu caso e assim nós conseguimos auxílio nas despesas como por exemplo, passaporte, estadia de hotel, alimentação, medicação entre outros. Com tudo aprovado, viajamos para Cuba.
6) E como foi o atendimento em Cuba?
Então... isto começou em 1998. Eu e minha mãe (ela sempre estava comigo) fomos em Havana, Cuba. O Dr. Orfilio Peláez Molina era um excelente profissional, reconhecido no mundo inteiro. Lá fiz vários exames até chegar no diagnóstico que foi constatado como retinose pigmentar e no meu caso, a síndrome de Usher.
7) E qual é o seu tipo de síndrome de Usher?
O meu tipo é Usher 1.
8) E qual foi sua reação ao saber da síndrome de Usher?
O médico explicou todos os detalhes... Nossa eu levei um susto! Fiquei muito triste, angustiado... Fiquei pensando como seria meu futuro se ficasse cego. E o médico explicou para não me preocupar que eu ia fazer tratamentos, mas eu tinha que evitar certas coisas como beber, fumar, dirigir, entre outras situações que não podia ser feito. A minha mãe também ficou bastante abalada com tantas limitações.
9) Como foi a sua experiência nos acompanhamentos médicos lá em Cuba?
Lá fiz cirurgia nos olhos e no início, eu via um pouco embaçado, mas aí depois melhorou consideravelmente apesar de que eu continuava a não enxergar no campo periférico. Em 1999, retornamos em Havana, fiz vários exames e constatou que apesar da baixa visão, eu estava bem. Assim também foi em 2000 e em 2001, ficamos sabendo que o médico que me acompanhava tinha falecido. E então, por causa disto, tivemos que procurar assistência médica aqui mesmo no Ceará.
10) Para você, esse acompanhento em Cuba te ajudou na síndrome de Usher?
Então... eu ainda continuo não enxergando nas laterais, tenho dificuldades em enxergar à noite, às vezes sinto que estou pior e às vezes não. Quanto à surdez, já me acostumei a comunicar em Libras. Continuo fazendo acompanhamento na Sociedade de Assistência aos Cegos e lá os médicos sempre me indicam exames e continuo na luta.
11) Aristides você usa bengala?
Às vezes eu uso, mas não é sempre, pois tenho vergonha e medo. No começo, foi difícil eu me adaptar. Eu frequento o CREAECE (Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará) onde minha professora me ensinou a usar a bengala e continuo aprendendo. No CREAECE, as professoras dão dicas para que se possa aprender e perder o medo e insegurança.
12) Para você, o que é ser surdocego?
Ser surdocego não é fácil... Existem muitos obstáculos como por exemplo, a falta de estruturas na cidade que não está preparado para nós, temos que andar devagar para não se machucar por causa das calçadas desniveladas e na maioria das vezes. Não saio muito à noite, porque não enxergo direito e em alguns lugares são mal iluminados. Muitas vezes tenho que prestar atenção aos que falam comigo: eu que me comunico por libras, nem sempre tem intérpretes que me ajudam a conversar com um ouvinte e por isto, na maioria das vezes tenho que ir com alguém da família ou amigos para estes casos. Ser surdocego é enfrentar esta dupla deficiência e ainda assim temos que ter perseverança no nosso dia a dia.
13) Aristides, você sofre preconceito por ser surdocego?
Sim... Por ser surdo sinalizado, muitas vezes até os próprios surdos não entendem que eu também tenho baixa visão. Para me comunicar com outros que sabem libras, eu preciso que as pessoas ficam um pouco próximo de mim para eu poder ver o que estão sinalizando... é a forma de comunicação chamada de Língua de Sinais em Campo Reduzido. Muitos quando percebem que eu não acompanho a conversa, se afastam, não tem paciência etc... Alguns até sabem libras tátil, mas são raros.
Lidar com a baixa visão no dia a dia também não é uma tarefa fácil. As pessoas quando olham você usar bengala, acham que você é 100% cego, mas quando percebem que você enxerga um pouco, acha que você está enganando eles... Eu sempre preciso explicar que sou surdocego, tenho minhas limitações, mas nem todos entendem. Há muita falta de informação, infelizmente.
14) Qual é o conselho que você dá para as pessoas que acabaram de saber que tem síndrome de Usher?
O conselho que dou: é preciso pesquisar e se informar sobre a síndrome de Usher e tentar entender como ela acontece e como ela se desenvolve, para você se possa se adaptar, lidar com as dificuldades que ela traz, mas não podemos parar de lutar. Siga em frente! Deus está no controle de tudo, confie nele!
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