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COM SÍNDROME DE USHER
E A SEUS FAMILIARES, PROFISSIONAIS E AMIGOS
ENTREVISTAS
12/2021
Elisangela Souza Mazilão
A amadora Elisangela de 44 anos, natural de Salinas (MG) onde mora atualmente, nos conta nesta entrevista como descobriu sua síndrome de Usher e como convive com as suas limitações com leveza, carinho e determinação.
1) Elisangela conte para nós como foi que descobriram a sua surdez...
A princípio descobri minha baixa visão com diagnóstico da retinose pigmentar. Passei a ter acompanhamento desde então com um médico em Belo Horizonte, onde eu vou uma vez ou até duas por ano. Foi ele quem percebeu minha dificuldade e insinuou que talvez eu pudesse ter a síndrome de Usher. Sendo assim passei em um otorrino e foi confirmada minha perda auditiva.
2) Então você apresentou primeiro problemas visuais? Quando começou? E quais eram as suas dificuldades para enxergar?
Sim, primeiro o problema visual. Descobri com 27 anos mais ou menos. Antes disso tinha vida ativa. Pedalava, jogava muita bola, dava muito embaixadinha, joguei muito vôlei no colégio e fazia tudo sozinha. Hoje em dia as dificuldades são essas: ser limitada para o esporte que eu amava entre outras coisas simples que hoje não faço mais.
3) O seu médico descobriu logo que era a retinose pigmentar ou não? Você teve dificuldades pra descrever seus sintomas?
Não tive dificuldades... Recordo que naquela noite eu entendia que eu tinha uma visão perfeita. Era depois das 18 horas, sempre sentada na porta com minha filha, ela tinha uns 4 aninhos e sempre inventava alguma brincadeira manual pra ela. Este dia fiz dobraduras tipo aviões e arremessava para o alto. Neste momento eu tentava acompanhar o vôo e perdia. Mas, a minha filha magicamente trazia super rápido. Eu lembro que fiquei impressionada, cheguei a questionar que “visão era essa a dela”. Então chamei um adulto pra mostrar a "habilidade" dela, porque na minha cabeça era impossível. Mas o adulto também encontrou tão fácil quanto minha filha. Foi assim que desconfiei que algo estava errado comigo e procurei um oftalmo, pois naqueles dias já usava óculos de grau. Contei essa mesma história e ele suspeitou de cara que eu tinha retinose pigmentar, porém em Eunápolis, Bahia, não tinha profissionais para meu caso e eu tinha que ir para Salvador ou Belo Horizonte e só fiz isso 5 anos depois. Eu não tinha noção da gravidade .
4) Qual foi a sua reação ao saber da retinose pigmentar? E a sua família como reagiu?
Minha reação foi a melhor, por incrível que pareça. Eu aceitei que tinha retinose, mas não aceitei que o diagnóstico tirasse meu ânimo pela vida. Meu sonho era dirigir e foi o primeiro sonho que tive que desistir. Não fazia sentido colocar em risco minha vida e a vida das pessoas. Então passei a viajar mais. Hoje sou mais caseira, pacata mas, amo viajar. Minha família ficou arrasada e preocupadíssimas. Hoje sabem que consigo lidar sem traumas. Às vezes passo vergonha e as pessoas nem sempre compreendem e talvez sem querer acaba falando coisas sem pensar. Mas quem tem que entender sou eu. Uma pessoa com 100% de visão e audição, jamais vão entender com leveza meus 15% de visão tubular. E, se às vezes pergunto 10 vezes a mesma coisa, falta paciência, mas também entendo o transtorno que causo, e está tudo bem. Já se passaram 10 anos depois do diagnóstico e até hoje, as pessoas mais próximas de mim que fica sabendo do problema ás vezes chora.
5) Mas você já apresentava problemas de audição nesta época? Qual seu grau de surdez?
Não que eu saiba, mas falando hoje, é notável a diferença de audição daquela época para agora. Hoje a minha perda auditiva, um é leve e outro é moderado à severo, depois disto eu passei fazer acompanhamento da minha audição em Taubaté-SP. Eu consigo uma boa comunicação com leitura labial e até prefiro até sem os aparelhos, acho que me acostumei com o silêncio! Hoje uso as próteses, mas só uso quando vou em lugares fechados. Não me adaptei a eles no trânsito por exemplo. Mas faz diferença: sem eles não ouço tudo... com eles ouço pássaros e o vento nas árvores. Talvez para mim, seja mais interessante usar aparelho em lugares onde tem árvores, matos, em meio á natureza.
6) Como foi sua adaptação com os aparelhos no começo?
Foi incrível! Lembro que tomei um banho e coloquei os aparelhos pra ir jantar com meus primos em Caraguatatuba SP. E eu usava uma sandália rústica de couro com sola de pneu...rs No que desci as escadas todos ficaram me olhando ansiosos para saber o resultado. E eu só conseguia escutar e descobrir naquela hora quanto barulho eu fazia para descer a escada! A primeira coisa que eu disse foi: “Perdão gente! Eu não sabia que fazia tanto barulho para vocês quando desço escadas com esta sandália!”. E todos rimos! O pessoal começou me testar e eu ia falar, tomava susto com minha própria voz! rs O povo conversando em tom normal e eu dizendo: “Fala baixo por favor!” Sou grata por tudo isso!
7) Elisangela e hoje o que você faz para evitar acidentes, tropeços etc? Você tem dicas?
A dica é andar devagar, porque assim as quedas não ganha força no impacto. Geralmente quando tropeço, todos vem ao meu socorro e eu quem acalmo eles dizendo que ao longo do tempo aprendi cair sem maiores danos. Mas até chegar à este ponto já caí em buracos altura do peito, já dei de cara com vidros, já chutei lixeiras, tropeço em quebra molas, canelada em cadeiras. A dica é deixar as pessoas cientes das limitações e sempre aparece uma mão amiga carinhosa ao nosso auxílio. Eu já andava devagar antes de descobrir a retinose, então não foi difícil pra mim. Mas de todas as dicas essa seria a melhor. Olhar o lugar antes, conhecer o caminho, gravar os obstáculos, se adaptar ao lugar também ajuda muito.
8) A sua filha desde criança já entendia as suas dificuldades por causa da sindrome de Usher?
Minha filha é meu braço direito. Como disse no início, descobri brincando com ela. Ela cresceu, mesmo sem querer entendeu que eu precisava de auxílio. Andar ao lado dela, torna tudo isso fácil e simples. Ela conversa comigo em relação aos obstáculos com toques. Se descemos uma rua e ela vê que não vi algum conhecido já adianta: “Lado esquerdo, sua amiga na janela.” Isso me dava direção. Hoje ela tem 20 anos, foi morar com o pai para trabalhar e estudar. Ficou com receio em ir sem mim, mas quero ela realizada. A vida é de adaptações. Quando tudo normalizar, vou morar perto dela.
9) Elisangela para você, o que é ser mãe com Usher?
Na necessidade de tornar capacitada em comunicação, confesso que ter Anna como filha dentro de minhas limitações eu só aprendi como é possível ter vida normal e sem problemas. Ser mãe com Usher é escutar sua filha dizer para alguém que falou de longe comigo, que não vou escutar assim e pedir a pessoa para olhar pra mim e repetir porque preciso de leitura labial. É escutar sua filha dizer: “Ela não vai te entender assim, olhe para ela e fala sem precisar gritar”. É ter uma intérprete que te olha nos olhos e te dá direção da fala que preciso escutar.
10) No seu dia a dia, você usa bengala?
Não ainda... Mas estou vendo uma pra mim, branca e vermelha. Preciso me adaptar ao uso, ainda mais agora que Anna não está comigo.
11) Elisangela você atualmente trabalha? Estuda?
Quando aparece curso do meu interesse eu faço. Quanto ao trabalho, faço bicos quando às vezes aparece um interessado em minha arte. Mas a Arte rendia mais quando morava próximo de Belo Horizonte. Aqui, onde moro atualmente, não sai tanto como gostaria.
12) Que tipo de Arte você trabalha?
Pinturas em telas, desenho a lápis. Amo pintar com cores quentes, negras africanas... é o meu estilo. Tenho paixão por essas telas. E ultimamente tenho me aperfeiçoado em desenho digital e escrever. Faço filtros dos sonhos, colares com pedras castroadas... Adoro pedras. Eu também sou fascinada por fotografias: o que não vejo amplo no dia a dia, eu consigo ver na tela do celular ou no computador que tem o tamanho da redução capacitada da minha visão tubular. Tirar fotos da natureza e igrejas são os que mais gosto! Arte em geral, eu sempre amei desde criança.
13) Elisangela qual conselho que você dá para pessoas que acabaram de saber que tem a síndrome de Usher?
O conselho que dou: Não perca o ânimo, não perca a fé! Busque um novo jeito de ver e ouvir. A vida é de adaptações: se perder no mundo do silêncio como se fosse o fim, não vai trazer mossa audição de volta. Ter paciência e ter alguém falando ao nosso ouvido é até melhor. Procure relaxar... eu por exemplo, sigo com fé cada vez que ligo minha playlist no YouTube e me delicio com o que minha audição alcança com ou sem aparelho. A vida é agora.
Muitas coisas não caberiam aqui. Espero que de alguma forma essa entrevista venha a ser ânimo para alguém desprotegido de essência. Como diz Cora Coralina: “A vida não faz sentido se não tocamos o coração das pessoas.” Eu concordo! O que adianta ser quem sou sem mudar para melhor meu próximo? A vida não tem graça ser vivida sem mudanças, sem observar o próximo. Sejamos leves!
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