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ENTREVISTAS

03/2022

Joana Fernandes de Almeida e Silva
Joana Fernandes de Almeida e Silva

A servidora pública, Joana, 34 anos, nasceu em Barra do Garças/MT,
mas foi morar em Brasília/DF
com 1 ano de idade.
30 anos depois, por causa do trabalho, retornou para a cidade
em que nasceu, onde está até hoje. Nessa entrevista ela nos conta
em detalhes sobre como descobriu sua Síndrome de Usher. Confira! 

1) Joana conta para nós como foi que descobriram sua surdez.

Fui diagnosticada com deficiência auditiva quando eu era bem pequena. Como demorei para começar a falar e ficava muito irritada por não conseguir me comunicar, meus pais me levaram ao médico e fizeram exames. Mas nessa época ainda não se sabia muito bem o grau da perda auditiva e muito menos a causa. À medida que fui crescendo, fui fazendo acompanhamento com otorrinolaringologista, constatando que a minha perda auditiva é neurossensorial, bilateral e relativamente estável — aproximadamente 50% em ambos os lados.

 

2) E a partir daí você começou a usar aparelhos auditivos?

Eu tive aparelhos auditivos quando era pequena, mas não me adaptei bem e não quis mais usar.

Quando estava com 17 anos comprei outro par de aparelhos, mas continuei não me adaptando muito bem, só usava em momentos específicos.

Quando comecei a trabalhar passei a sentir mais a necessidade dos aparelhos, então comecei a usar um pouco mais. Usava nas aulas da faculdade, em palestras, reuniões e quando ia ao cinema.

Hoje em dia dependo muito mais dos aparelhos, pois além de ter tido uma piora na perda auditiva, as pessoas estão usando máscara, devido à pandemia por Covid-19, o que impede a leitura labial. Então comprei um novo par de aparelhos, que além de ter uma qualidade de som melhor, resolveu duas questões que eu tinha com os aparelhos anteriores: não tenho mais alergia ao material que fica dentro do ouvido e não fico mais tão irritada e angustiada com tanto barulho, pois ele tem uma tecnologia que ameniza os ruídos.

 

3) Mas no início da sua idade escolar, você não teve dificuldades em acompanhar as aulas?

Tive dificuldade sim, mas não tanta a ponto de interferir nas minhas notas. Quando os professores viravam de costas ou ficavam contra a luz eu não conseguia entender tudo o que diziam, principalmente quando falavam baixo ou com a voz muito fina. Mas desde pequena eu tinha o costume de estudar em casa, então o que eu não entendia em sala aprendia sozinha depois.

 

4) Joana, de acordo com sua experiência, qual conselho que você dá para as pessoas que relutam em usar aparelhos auditivos?

Talvez eu não seja a melhor pessoa para dar esse conselho, pois eu mesma relutei a vida toda. Acredito que cabe a nós mesmos reconhecer nossos limites e necessidades, até mesmo porque os graus de perda são diferentes e a realidade de vida de cada um também. Mas é inegável que os aparelhos auditivos nos proporcionam mais autonomia e qualidade de vida. Então meu conselho é: se você sente que a sua perda auditiva interfere nos seus estudos, no trabalho ou em qualquer contexto social, vale a pena tentar usar os aparelhos auditivos. Existem diversos modelos, com os mais variados recursos e valores. Você também pode conseguir os aparelhos de forma gratuita, pelo SUS.

 

5) E como surgiram seus problemas visuais? Conte para nós.

Eu acredito que durante a minha infância minha visão era normal. Quando cheguei na adolescência, ficou muito nítido que eu não tinha visão noturna, mas achava que a dificuldade para enxergar em locais mais escuros era por causa do grau alto de astigmatismo. Era algo normal em minha vida, os parentes e amigos mais próximos já estavam acostumados com isso e sempre me ajudavam quando eu saía à noite ou ia ao cinema.

No início da fase adulta veio a perda da visão periférica. Tropeçava muito, esbarrava nos objetos... estava sempre com hematomas. Só que eu encarava isso como uma característica, como se eu fosse estabanada. Mas a perda foi aumentando rápido, passei a tropeçar e esbarrar com mais frequência e comecei a ter muita dificuldade para dirigir.

 

6) E quando você procurou um oftalmologista? E qual foi o diagnóstico?

Eu demorei para procurar um médico. Parei de dirigir e passei a ter mais atenção ao andar, mas não tinha internalizado ainda a gravidade do que estava acontecendo. Até que, em 2011, conheci uma pessoa que me relatou que o filho tem retinose pigmentar. Quando ela descreveu os sintomas, foi como um soco no estômago... Ali eu soube que eu poderia ter essa doença. Mas não fui imediatamente ao médico para confirmar, talvez por receio. No dia que eu não vi uma moto que estava estacionada e tropecei nela, percebi que não dava mais para tentar fingir normalidade. Então fui ao oftalmologista, que percebeu que havia algo em minha retina, mas não quis me dizer o que era, apenas pediu para eu procurar um especialista. Fui em um retinólogo, fiz alguns exames e então veio o diagnóstico: retinose pigmentar, causada por Síndrome de Usher do tipo 2.

 

7) Mas foi neste diagnóstico da retinose pigmentar que você soube também da síndrome de Usher?

Sim, mas não tinha ideia do que isso significava. O médico foi super seco e direto, não explicou nada. Quando perguntei se essa doença me deixaria cega, ele disse que sim e pediu para eu chamar o próximo a ser atendido. Saí de lá achando que iria perder a visão a qualquer momento. Só depois de pesquisar sobre a síndrome e procurar outro oftalmologista que eu comecei a entender melhor.

 

8) Você chegou a fazer teste genético?

Fiz sim, três vezes. Na primeira vez deu inconclusivo, na segunda não me deram o resultado e finalmente na terceira consegui uma resposta. Tenho o gene USH2A.

 

9) Joana, qual foi sua reação ao saber do diagnóstico exato da síndrome de Usher? Na sua família tem mais casos de síndrome de Usher?

Foi muito difícil receber o diagnóstico de Síndrome de Usher. Não pela deficiência auditiva, pois já estava acostumada. Mas a ideia de estar perdendo a visão me tirou o chão. Por alguns dias fiquei com uma sensação que eu nem consigo descrever, doía até fisicamente. Mas logo em seguida entrei em um estado quase que de negação, foquei na faculdade, no trabalho e nos cuidados com o meu filho, que na época era o único e tinha 3 anos. Quando eu entrei de férias — e, portanto, não tinha mais tantas coisas ocupando a mente, a ficha caiu e eu entrei em depressão.

Mas aos poucos fui ficando melhor. Pedi demissão, fiz tratamento com psiquiatra por alguns meses e voltei a me ocupar com o que era importante para mim: o bem-estar do meu filho e a conclusão da faculdade. Todo o apoio e amor que recebi da minha família e das amigas mais próximas foram fundamentais para eu sair dessa fase difícil e seguir em frente.

Até onde eu sei sou a única da família que tem Síndrome de Usher. Perguntei para várias pessoas de ambos os lados da família (meus pais não têm parentesco), para saber se alguém já apresentou surdez e/ou cegueira, mas não descobri nada. E felizmente meus filhos não herdaram a síndrome.

 

10) E como você está hoje? Sua visão e audição? Você faz uso de vitaminas, alimentos ou outras alternativas, etc?

A perda visual tem momentos de piora e momentos de estabilidade. Minha última avaliação foi em 2019, estava com menos de 20 graus de visão em cada olho. Fiz uma audiometria recentemente e descobri que minha audição teve uma piora em relação ao último exame que eu havia feito, mas ainda é considerada de moderada à severa, como foi por toda a minha vida.

Não tomo vitaminas, mas gostaria. Infelizmente faltam informações confiáveis sobre esse assunto e os oftalmologistas que me atenderam não receitaram (muito pelo contrário, geralmente falam para eu não tomar vitamina A). Mas eu acredito que as vitaminas certas nas dosagens corretas podem trazer muitos benefícios. Pretendo procurar um nutrólogo e iniciar esse acompanhamento.

Não mudei minha alimentação por causa da Síndrome de Usher, mas já tinha o hábito de evitar comidas muito gordurosas e industrializadas. E desde criança tenho uma alimentação vegetariana.

 

11) Joana, você tem dicas de como lidar com a síndrome de Usher no dia a dia? Por exemplo, o que você faz para evitar acidentes, cair, tropeçar e outros?

Mais uma vez, acho que não sou a melhor pessoa para dar esse tipo de dica. Minhas pernas estão sempre com roxos e calombos, que já fazem parte de mim rs. Mas tem como evitar sim. Algumas coisas que podemos fazer são: deixar os ambientes iluminados; levar lanterna quando sair; conversar com as pessoas de nossa convivência para que não deixem objetos no caminho, gavetas abertas e para não mudarem os móveis de lugar; fazer uma avaliação do local ao chegar e só depois andar por ele; pedir ajuda para alguém ao caminhar na rua; e usar uma bengala própria para pessoas com deficiência visual.

 

12) Para você, o que é ser mãe com síndrome de Usher?

Ser mãe com deficiência é passar por todas as alegrias e perrengues que qualquer mãe passa, mas com alguns desafios a mais.

Minha maior dificuldade foi quando eles eram bebês, pois eu não escutava o choro deles se estivesse em outro cômodo, então dependia de babá eletrônica ou de alguém para me avisar. Também aconteceu algumas vezes de eu sem querer pisar neles quando começaram a engatinhar e derrubá-los quando passaram a andar, o que provavelmente doía mais em mim do que neles, pela culpa que eu sentia. Em locais públicos, sempre tive que ter ainda mais atenção, pois eu posso perdê-los de vista mesmo estando ao lado deles.

À medida que eles foram crescendo, essas dificuldades foram ficando cada vez menos limitantes e eles passaram a me ajudar. Meus três filhos se habituaram, naturalmente, a me avisar sobre os obstáculos na rua, como degraus e buracos, e a me guiar em lugares mais escuros. Também me avisam quando a campainha e telefone tocam e me ajudam a entender o que as pessoas estão dizendo baixo ou de longe.

Hoje em dia a única limitação que interfere nos cuidados com meus filhos é a de depender de outra pessoa para levá-los para a escola ou qualquer outro lugar, pois não dirijo e dependendo do local e do horário, não me sinto segura para andar com eles na rua.

Para mim o mais difícil é ter que lidar com o medo de não ter a oportunidade de ver como meus filhos serão quando crescerem. Não saber por quanto tempo irei enxergar é o que mais me afeta em relação à Síndrome de Usher. Mas venho ao longo dos anos trabalhando para aceitar essa incerteza.

Mesmo lidando com todas essas questões, não acho que a síndrome interfira na minha maternidade, muito menos no bem-estar dos meus filhos.  Além disso, sempre pude contar com a ajuda de pessoas maravilhosas, que são a minha rede de apoio. Essa rede toda mãe merece e precisa ter, independentemente de ser uma pessoa com deficiência ou não.

 

13) Joana, você gostaria de falar sobre sua formação, seu trabalho?

Antes do diagnóstico de Síndrome de Usher, trabalhei com eventos e fui secretária parlamentar. Um ano após receber o diagnóstico, me formei em Ciências Biológicas. Em 2013 trabalhei com projetos socioambientais no Rio Grande do Norte. No ano seguinte retornei para Brasília e em 2015 trabalhei com aromaterapia e venda de produtos naturais. Entre 2016 e 2017 dei aula de Laboratório de Ciências para crianças do ensino fundamental. Desde 2018 sou servidora pública e trabalho como indigenista no Mato Grosso.

 

14) Joana, qual conselho que você dá para uma pessoa que acabou de saber que tem a síndrome de Usher?

Meu primeiro conselho é: respeite o seu momento e valide o que você está sentindo. As pessoas reagem a uma mesma situação de formas diferentes, então só você sabe o que pode te ajudar a segurar esse baque que você recebeu agora. Só não deixe de se cuidar, da forma que for melhor para você.

Segundo conselho: se informe. As informações incorretas ou incompletas disponíveis na internet ou até dadas por alguns médicos geram sofrimento e angústia além do necessário. Procure bons especialistas e tente conversar com quem tem Síndrome de Usher. Essa troca de experiências com pessoas que têm vivências parecidas com as suas ensinam mais do que qualquer artigo científico.

Terceiro conselho: não deixe de pedir ajuda. Não só com as atividades do dia a dia, mas também em relação à sua saúde mental. Procure fazer acompanhamento com psicólogo e/ou psiquiatra, ou participe de um grupo de apoio, ou faça qualquer outra coisa que você acredita que vai te fazer bem.

Quarto conselho: tenha hábitos mais saudáveis. Dentro do possível... não precisa se cobrar demais. Mas é certo que o estresse, má alimentação, vícios e falta de atividade física aceleram a degeneração. O uso excessivo de telas também (experiência própria).

Último conselho: acredite, por mais que seja muito difícil, não é o fim. Você pode fazer tantas coisas e ser tão feliz quanto uma pessoa que não tem a Síndrome de Usher, são só maneiras diferentes de viver. E viver nunca é fácil, convenhamos. Mas vale a pena, não é mesmo? Claro que terão momentos mais dolorosos, até porque ter uma doença degenerativa requer que a gente passe constantemente por processos de aceitação e adaptação, mas também terão momentos muito bons. E assim vamos seguindo, nessa eterna "roda viva".

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