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ENTREVISTAS

12/2022

Joel Almeida da Silva
Joel Almeida da Silva

Joel de 64 anos,

nasceu em Osório-RS

e atualmente mora

em Porto Alegre-RS,

nos conta nesta entrevista

como lidou desde o início até hoje com a Síndrome de Usher.

Vale a pena conferir!

1) Joel poderia contar para nós como descobriram a sua surdez?

Na verdade foram meus 5 irmãos que perceberam minha surdez, pois faziam barulhos e eu não acordava. Então meus pais se deram conta e me levaram ao médico, mas os exames eram raros, porque não tínhamos muitos recursos financeiros.

 

2) Mas na época, você chegou usar aparelhos auditivos?

Não... Eu comecei usar os aparelhos com 20 anos.

 

3) Joel, e qual é seu grau de perda auditiva? Depois que você começou usar aparelhos auditivos, você se adaptou bem com eles?

Eu tenho 60% de surdez, então a minha perda audtiva é severa. No início usei aqueles aparelhos tipo caixinhas de lapela com fios e foi de difícil adaptação por causa da sensibilidade dos ruídos, apitos... Minha família continuava gritando nos meus ouvidos, mas necessitava usar e assim mesmo eu me adaptei. Hoje eu uso aparelhos auditivos tipo auriculares, bem melhor!

 

4) E como foi sua adaptação na escola? Você conseguiu acompanhar as aulas?

Percebi a necessidade de sentar bem na frente, próxima da professora e fazer leitura labial, e quando a professora virava de costas e continuasse falando, eu colava de colegas. Assim eu ia para castigos... Na época, os professores não tinham noção de deficiências...

 

5) Joel e como foi que você descobriu que estava com problemas visuais?

Descobri quando comecei a derrubar bandejas de comidas dos colegas no restaurante da empresa onde eu trabalhava. Ao pegar comida, me virava para visualizar uma mesa, e não percebia alguém no caminho e assim batia nelas e às vezes derrubava as bandejas deles. Minha chefe se deu por conta quando a derrubei ela parada em um corredor e deitou no chão... Nos horários de saídas, que eram às 18 horas, já estava escuro e ao sair do prédio não enxergava nada... Pedia um braço de colegas pra chegar ao ponto de ônibus. Em casa minha esposa colocava pratos na mesa, e eu já reclamava a falta de talheres, mas ela explicava que já estavam, ou seja, eu não enxergava direito.

Decidi procurar ajuda médica, quando no início tinha crises de enxaquecas, desmaiava e me levavam ao consultório. O médico não entendia as causas: fui em um oftalmo e ele me recomendou óculos, que não serviam para nada. Fui em Neurologista, que não percebeu nada... Fiz pesquisas médicas na internet e pelo descrição, vi diagnósticos como câncer no cérebro, toxoplasmose, glaucoma, otite, entre outros... Uma loucura! Nada combinava com meu perfil! Até que um dia fui em um especialista da retina e ele me esclareceu que é retinose pigmentar, e me informou que eu me encaixava como pessoa com Síndrome de Usher.

 

6) Joel, qual foi sua reação ao saber do diagnóstico da síndrome de Usher?

No início não entendia muito... A Vânia, minha esposa, começou fazer pesquisas, quando percebemos que aqui no Sul, ninguém sabia nada sobre o assunto. Então fizemos contatos com instituições como Retina Brasil, Grupo Brasil de apoio às pessoas com surdocegueira, Ahimsa, IBC, todos em São Paulo e Rio de Janeiro. No início tivemos que viajar muito para conhecer este universo da Usher. Conhecemos outros com a mesma síndrome e foi um impacto muito grande saber que estas informações da Síndrome de Usher eram mais conhecidas nestes Estados.

 

7) Na sua familia tem mais casos de pessoas com síndrome de Usher?

Meu pai falecido em 2001, tinha quase as mesmas características, mas sem definição médica, pois na época não tínhamos recursos para investigar. Dos seis filhos apenas eu (caçula), tenho a síndrome de Usher. O especialista que me esclareceu, pediu a visita de meus irmãos, alguns foram e não atestaram nada. Então eu sou o único.

 

8) Você fez teste genético? Se sim qual é o seu tipo?

Sim fiz o teste e deu Síndrome de Usher tipo 2C, tenho o gene ADGRV1.

 

9) Depois que você soube de seu diagnóstico você teve mais contatos com pessoas com síndrome de Usher?

Há alguns anos atrás, pela Retina Rio Grande do Sul, fizemos um pequeno cadastro num total quase de 70 pessoas com a síndrome em nosso Estado. Mas depois paramos. Atualmente faço parte de alguns grupos virtuais que me atualizam sobre o assunto.

 

10) E com estes grupos, você aprendeu a lidar com a Síndrome de Usher? Conte para nós sobre esta experiência.

Estes grupos virtuais são recentes, tem poucos anos. A vivência com a síndrome tive que desenvolver de forma pessoal, pois em nosso Estado temos poucas informações a respeito. Logo que recebi diagnostico da retinose pigmentar fui aprender o braile, fiz curso de orientação e mobilidade com bengalas e já faço uso da língua de sinais desde 1990.

 

11) Joel e como está sua visão hoje? Você enxerga quanto por cento? Você segue algum esquema para estacionar a retinose: alimentação especial, remédios, exercícios?

Atualmente tenho 5% de campo central: sinto pioras mas de forma lenta. O especialista no início, recomendou alimentos à base de vitaminas A e B, mas me pediu cautela em função dos efeito dessas vitaminas. Enfim, atualmente não faço uso de alimentação especial, é comida normal mesmo. E eu também não faço exercícios físicos.

 

12) Atualmente você está trabalhando? Se sim no que trabalha?

Sou aposentado por invalidez. Eu era contabilista. Atualmente eu auxílio minha esposa Vânia nas atividades escolares como elaborar planilhas, currículos, provas, ministrando cursos de Libras, etc... Tudo home office.

 

13) Joel você teve que se adaptar no seu dia a dia como uma pessoa com síndrome de Usher? Teve que fazer algumas mudanças?

Nosso lar é pequeno e tivemos de nos livrar de móveis grandes e adaptando por exemplo, mandando fazer um chamfro, ou arredondar as esquinas da mesa para não me machucar. Colocamos mais luminárias nos ambientes e uso lanternas ao sair à noite na rua.

 

14) E no caso de acessibilidade? Onde você mora tem bastante acessibilidade para pessoas com deficiências, principalmente para pessoas surdocegas?

Sim, ultimamente em locais públicos tem calçadas com sinalização para cegos, rampas, bancos com avisos sonoros de chamadas, ônibus com assentos especiais, etc. Quando atravesso faixas de pedestres, em função da bengala, as pessoas percebem e me ajudam, quase arrancando meus pulsos, ou empurrando, mas com boas intenções... rs

 

15) Na sua cidade tem serviços de guias-intérpretes ou não?

Temos centrais de intérpretes de libras. Muito poucos atuam como guia-intérpretes.

 

16) Joel, para finalizar qual conselho que você dá para uma pessoa que acabou de saber que tem síndrome de Usher?

Penso que deve ser sincero e ser paciente com a família, explicando deslocamentos, espaços adaptados. Entender que nem todos saberão agir como gostaríamos, mas que sejamos especiais conosco mesmo. Buscar informações e instituições sobre o assunto, entender que tem muitas pessoas com as mesmas características que precisam também de nós, afinal somos especiais. Nós desenvolvemos muitas outras habilidades que tornam nossas vidas mais animadas. Somos diferentes e podemos fazer a diferença.

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