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ENTREVISTAS

04/2020

Laise Estrich
Laise Estrich

A paulista de Mogi Guaçu,

Laise de 24 anos,

nos conta como lida com

a Síndrome de Usher

e como leva seu dia a dia 

com determinação e bom humor. 

Confira!

1) Laise conte para nós quando começou a sua surdez.

Desde quando eu era neném, eu tinha muita otite e sempre fui medicada para tratar essa infecção no ouvido. Conforme eu fui crescendo, fazia muita leitura labial com a minha família, e principalmente com minha mãe que já estava acostumada a falar comigo de um jeito e por causa disto, quando eu saia na rua para falar com outras pessoas, eu tinha muitas dificuldades.

Nos meus primeiros anos de escola, uns dos meus professores falaram para minha mãe que eu estava com muita dificuldade para aprender. Foi aí que a gente fez um exame de audiometria, quando eu tinha uns 10 anos, descobriram então que eu tinha perda auditiva bilateral neurossensorial.

 

2) E a partir daí você começou usar aparelhos auditivos?

Então, depois que eu fiz a audiometria e descobriram a minha perda auditiva, a médica colocou uma prótese no meu ouvido e eu senti uma diferença gritante! Consegui escutar alguns barulhos que nunca havia escutado antes como: barulho da folha de papel, barulho das pedras lá fora, respiração... Quando consegui o aparelho pelo SUS eu tinha 13 anos, mas eu não usava com tanta frequência, porque eu não estava acostumada. Comecei a usar com frequência mesmo quando eu comecei a trabalhar, porque eu vi que era necessário para conversar com as pessoas. Agora já não vivo mais sem os aparelhos, eu “descobri” a deficiência auditiva.

 

3) Mas você conseguia acompanhar as aulas mesmo não usando os aparelhos auditivos com frequência?

Nos primeiros anos, eu assistia as aulas com muito esforço. Sentava na frente para poder ver a professora falar e fazia leitura labial. Depois que adquiri os aparelhos auditivos, eu não usava com frequência como deveria... Quando eu tinha um professor que falava muito baixo, eu colocava o aparelho e quando tinha alguém que falava muito alto eu tirava...

Mas eu fui sentir mais necessidade na faculdade, apesar de que nem todas as aulas eu consegui acompanhar. Inclusive tive que suspender uma das aulas porque o professor não queria aumentar o tom de voz e eu não estava conseguindo escutar o que ele falava. Então isso é uma das coisas que já aconteceram comigo. Eu sempre tive um pouco de dificuldade sim e na maioria das vezes tive que perguntar para o professor ou para meus colegas de lado. Teve época também que eu não prestava muita atenção na aula, sentava no fundão... tem momentos, sabe?

 

4) Laise, você sofreu bullying na escola por causa da surdez?

Sim... Até para quem não tem deficiência sofre bullying hoje em dia, mas quem tem deficiência sofre mais né? No meu caso, quando estava no ensino fundamental, eu não sabia da minha perda auditiva, achava que eu era surdinha mesmo, mas não achava que era uma deficiência, entende? Então eu levava isto de boa: quando eu não escutava, pedia para repetir, eu achava que era normal... Depois quando eu descobri a minha deficiência eu fiquei mais ciente disso e pensava assim: “Ai gente... eu sou surda”. Depois, conforme foi passando o tempo, na escola da sexta série até o primeiro colegial, aí eu comecei a sofrer bullying mais pesados. O meu apelido por exemplo era “Lerda”, porque eu não conseguia escutar direito as pessoas, mas assim, eu sempre levei na boa, eu relevava para não ficar para baixo e ainda ria da situação.

Como eu disse comecei usar aparelhos com mais frequência no trabalho e na faculdade, apesar de não conseguir acompanhar uma matéria de um professor que recusava a falar mais alto. Aí eu tive que deixar a faculdade, eu fazia medicina veterinária e foi nesses casos de bullyng que eu tive em questão da perda auditiva.

Mas eu acho que sofri mais bullying com a questão da visão do que com a audição.

 

5) Então, conte para nós como foi que você descobriu seus problemas visuais.

Desde pequenininha, eu sempre tropeçava, esbarrava, caía... Minha avó nunca entendia, mas minha mãe e também toda a minha família achava que eu era estabanada. Quando eu tinha uns 6 anos por aí, eu percebi quando brincava com os colegas da rua como esconde-esconde no escuro ou quando anoitecia, eu não enxergava direito. E sempre que a gente brincava de bola, era difícil para mim porque eu não enxergava a bola. Eu sempre achei que isto era normal, mas ao mesmo tempo eu era a “esquisita”...

Com o tempo foi piorando e, por exemplo, em locais escuros, como cinema nunca pude ir sozinha, sempre tive que ir acompanhada. Eu também comecei a cair com mais frequência e um dos fatores que me fez ir a um médico da retina, foi quando eu tinha 17 anos. Eu e minha mãe estávamos no estacionamento de um shopping, e lá tinha uma espécie de uma separação de carros e eu não vi. Eu segui reto e minha mãe pensou: “Não é possível que ela vai passar e não vai ver!” Dito e feito! Cai em cima do negócio... Aí minha mãe enfatizou que eu teria que ir no médico especialista, já que eu estava indo no oftalmo só para receitar óculos e me dizia que não tinha nada...  

Quando eu fui no médico da retina, descobriu que era retinose pigmentar e aí ele associou a perda auditiva seguida de retinose pigmentar e chegou ao diagnóstico de Síndrome de Usher. Então com 17 anos eu tive este diagnóstico, mas durante a minha vida inteira eu sempre tive esses sintomas, mas não sabia o que era e depois disto, tudo fez sentido na minha vida. Até então melhorou muito para mim saber da síndrome.

 

6) Qual foi a sua reação ao saber da retinose e ao mesmo tempo a síndrome de Usher?

Então, eu não tive muita reação porque eu já era deficiente auditiva e quando soube da retinose pigmentar foi como se melhorasse tudo para mim porque eu soube o que eu tinha e que não era normal... Mas como eu descobri a perda auditiva primeiro eu fui lidando aos poucos com a deficiência visual, então não tive muita reação, eu sempre brinco: “Nossa como eu sou sortuda tive as duas coisas”, rs...

 

7) Você já tinha ouvido falar da síndrome de Usher antes?

Não, nunca tinha ouvido falar sobre essa síndrome até que quando o médico falou o nome dela, eu achei bem engraçado porque tem um cantor americano que se chama Usher, mas nunca tinha ouvido falar e nem mesmo sobre retinose pigmentar.

 

8) Você tem mais irmãos? Na sua família tem mais casos de síndrome de Usher?

Tenho duas irmãs, uma de 10 e outra de 7 anos e a duas não tem nenhuma deficiência visual nem auditiva, ainda bem rsrs. E também não tem nenhum caso de deficiência auditiva e visual na minha família.

Meus avós que estão ficando velhinhos e eles estão perdendo a audição mais por conta da idade. Eu ainda não fiz o teste genético, pretendo fazer futuramente para descobrir o tipo, mapear o gene.

 

9) Você toma algum medicamento? Tentou ver se tinha tratamentos etc?

Eu sempre soube que não tem cura, então eu particularmente, não tentei remédios. Mas a minha mãe fica desesperada querendo achar algum suplemento, alguma vitamina, sabe mãe, né? Ela pede para tomar vitamina A, porque acha que vai estabilizar ou vai melhorar. De medicamento, tomei alguns, mas não vi efeito. Mas eu tenho em mente que não tem como melhorar, então a única coisa que eu fiz para me cuidar mais foi o uso da bengala, aprender libras e braille, fazer terapia, consultar com psicóloga.

 

10) Laise, você que usa bengala, você fez curso de orientação e mobilidade ou começou usar por conta própria? Você tem dicas para o pessoal que não tem coragem de usar bengala?

Então, eu senti a necessidade de usar a bengala quando eu comecei a ir na faculdade em 2018. Mas eu comprei ela depois que fiz a cirurgia da catarata em 2016. Antes eu não tinha coragem de usar porque eu sentia que estava usando um objeto que não me pertencia e que era só para quem era cego total.

Mas depois de tanto esbarrar nas pessoas, cair, tropeçar, senti a necessidade de usar a bengala, inclusive já derrubei crianças na rua, me sentia tão mal por isso.

Só que no começo não conseguia usar ela na rua, eu sentia vergonha porque as pessoas olhavam para mim e eu achava que elas estavam me julgando.

Na época que comecei a usar a bengala, do lado da minha casa onde eu morava em Porto Alegre, tinha uma associação de cegos, aí comecei a ir lá para fazer aula de Braille e cheguei também fazer aula de orientação mobilidade e logo no primeiro dia de aula aprendi a posição correta para pegar a bengala. Eu fiz só um dia a aula de orientação e mobilidade, mas comecei a usar bem pouco na rua sabe?

Quando eu me mudei pra São Paulo em 2019, eu comecei a usar bengala com mais frequência e hoje não saio de casa sem ela na rua. Eu uso porque sinto mais segura. Na verdade, ela me ajuda com que as pessoas se desviem de mim, aí eu passo com mais facilidade. Também me ajuda com que as pessoas venham até mim e perguntam se quero ajuda. Mas vou falar: foi bem difícil no começo para eu aceitar... só depois de algum tempo que eu fui percebendo que necessito dela, eu dei até nome para as minhas bengalas rsrs.

Uma dica que eu dou para o pessoal, que tem vergonha é usar aos pouquinhos na rua. Comece usar em lugares desconhecidos. No começo, eu evitava usar perto onde trabalhava porque sentia que me julgavam, então comecei usar em lugares desconhecidos. Então faça isto e aí vai se adaptando e vai sentir mais segurança.

 

11) Em termos de acessibilidade, o que você acha que precisa melhorar?

Tem muita coisa que precisa melhorar... O mundo não é todo acessível para nós, né? Mas na verdade falta muitos recursos, muita acessibilidade ainda. Eu sinto dificuldade às vezes porque eu esbarro em algumas coisas, quebro, tropeço, mas quando desço escadas por exemplo, eu sigo sempre a faixa amarelas quando tem né? Então o que sinto mais dificuldade mesmo é na locomoção.

 

12) No trabalho, você encontra dificuldades por causa da síndrome de Usher?

Sim, encontro algumas dificuldades, mas no meu trabalho peço para eles sinalizarem as escadas, por exemplo, porque eu tenho muitas dificuldades para descer se não tiver estas faixas. Portas de vidro também é assim. Mas onde trabalho tem bastante pessoal preocupado com acessibilidade, eles sempre perguntam se precisa de uma tela maior, de recurso para aumentar fonte no computador, etc. Lá é assim, mas eu sei que em várias empresas ainda falta muita acessibilidade. Sempre tento fazer as coisas com calma, mas já aconteceu um dia eu sofrer acidente de trabalho no meu outro emprego, porque antes eu não usava bengala. Agora que eu uso, eu vou com mais calma, as pessoas me ajudam, então é mais tranquilo.

 

13) Em outros lugares, você teve dificuldades por ser surdacega?

Sim! Uma vez fui fazer o ENEM e quando fui preencher o formulário, eles perguntam se a pessoa tem deficiência e aí eu coloquei lá que sim. Então, eles deram outras opções como tipo de deficiência e eu deixei como múltipla e aí veio outras opções como perda auditiva, baixa visão e surdocegueira. Eu coloquei essas 3 opções,  na verdade é o meu caso, apesar de não saber muito sobre surdocegueira.

No dia da prova do ENEM, eu cheguei lá e vi que prepararam uma sala só para mim: uma sala gigante com uma mesa bem no centro. Na porta da sala tinha 2 pessoas: uma era intérprete de Libras e a outra interprete de Libra Tátil, porque elas acharam que eu era surdocega total. Chegando lá, me apresentei e elas: “Ah, você não é surdocega?” Eu falei assim. “Olha eu tenho perda auditiva e baixa visão, e eu achei que colocando isso no formulário era só para me auxiliar em algumas coisas”. Mas aí eu me senti mal porque a sala era só para mim e tinha pessoas ali para me auxiliar, sendo que eu não precisava de tanto auxílio assim...

 

14) Você já teve outros momentos embaraçosos?

Então esse do ENEM foi uns dos momentos embaraçosos que já passei na minha vida, teve um outro que eu cheguei a sentar no colo de uma moça dentro do ônibus porque não havia visto ela por eu não ter a visão periférica rsrs. Mas são vários detalhes que a gente passa no dia a dia que chega a ser até engraçado. Por exemplo, as escadas para mim tem que ter sinalização com faixas amarelas e se não tiver para mim parece que é uma rampa... vou direto e posso cair, sabe? Eu não sinto segurança, por isto que eu desço que nem uma lesma... rs

Outro caso: As vezes estou caminhando na rua e do nada aparece uma pessoa e aí eu falo “Nossa da onde surgiu essa pessoa?”

Ah tem a questão também da casa: quando alguém muda as coisas do lugar, meu Deus ferrou tudo! Porque eu já tinha decorado onde estão os móveis, aí a pessoa vai lá e muda os móveis do lugar, a gente sai caindo tudo quanto é lugar...  É supernormal isto acontecer e ter o apoio da família nessa parte também é muito importante. No meu caso, quando eu vou nos lugares diferentes eu fico observando o local tipo “aqui não tem iluminação boa”, sabe? Me dá vontade de pôr um monte de lâmpada nesse cômodo!

Outra coisa também que eu li de uma moça que tinha publicado e achei que era só comigo... Quando eu varro a casa sempre fica sujeira assim no meio do caminho e a minha mãe reclamava muito... Ela falava assim “Você não limpou direito”. Aí eu falava que eu passei a vassoura sim...  depois que fui ver que a outra moça também passava pela mesma situação que eu, isto porque a gente não enxerga  os resíduos, não fica cem por cento limpo...

Já aconteceu também de eu entrar no elevador e eu querer agir como uma pessoa normal, mas ao entrar fico que nem uma doida tentando localizar os botões... As pessoas que estão observando fica assim tipo “coitada não consegue nem achar o botão”, né? rs

Quanto ao computador muitas vezes eu perco o mouse, a setinha do mouse... Então eu tenho que deixar a seta bem grande para saber onde ele está porque às vezes perco ele na tela e fico chacoalhando o mouse... rs

 

15) Quais são as dicas que você dá para pessoas com síndrome de Usher para o dia a dia?

Bem... por exemplo não deixei de fazer as coisas, continuei estudando, trabalhando e vou na academia também. Antes, eu tinha muita dificuldade para ir na academia pois o ambiente é escuro e tem muita gente e aparelhos, mas depois que eu comecei a aceitar a deficiência e usando a minha bengala, eu vou nos lugares e as pessoas já me abordam, sabe? Então acho que a bengala tem me ajudado muito nesse aspecto, porque sem ela, eu não aparento ter deficiência. Se eu chego nos lugares sem a bengala, as pessoas acham que eu sou normal, mas com a bengala, as pessoas já te dão outro tratamento, então eu me sinto mais segura. Na academia inclusive, quando eu ia antes sem a bengala, eu batia nos aparelhos, caia em cima das pessoas que estavam no chão fazendo abdominal... então é bom ter uma bengala. Eu sempre aviso para as pessoas da minha deficiência visual e auditiva, então outra dica que dou é fala para pessoas que você tem deficiência, não tenha vergonha e use bengala, porque isso vai te ajudar desde o começo, eu me arrependo de não ter usado a bengala antes. Outra dica: se cuidar para não sair sozinho de noite, ok?

 

16) Laise que conselho você dá para as pessoa que acabou de saber que tem síndrome de Usher?

O conselho que eu dou é continue levando a vida normalmente. Não se desespere porque a vida continua. Eu vejo muita gente que tem deficiência e se isola, achando que não é capaz de fazer as coisas ou evita sair na rua porque as pessoas te olham torto... Não é bem assim, tem que levar uma vida normal e a gente vai se adaptando aos poucos, sabe?

Seria bom procurar um oftalmo que você goste e te dê atenção. Eu passei por vários e agora eu descobri uma oftalmo perfeita, tipo “não vou trocar mais”. Então nunca desista, sempre vai procurando, que vai achar um que você vai se encaixar e vai ficar tudo bem.

Se puder faça terapia, passe com psicólogo. Isto é muito bom, porque você conversa bastante e não se isola. No meu caso, a minha psicóloga é a Cecília e ela é baixa visão, então ela me entende. Eu fui uma sortuda em achá-la, para mim está sendo muito importante!

Outro conselho que dou: tente participar de associação onde você pode trocar experiências. Tente descobrir outras pessoas que têm a mesma deficiência que você, porque é muito legal você descobrir que você não está sozinho, sabe? Por exemplo, no meu caso, quando leio algumas entrevistas daqui eu vejo que alguém passa pela mesma situação que eu. Assim eu fico: “Não acredito que esta pessoa passa por mesmas coisas que eu!” é muito bom! Tem coisas que são muito embaraçosas, mas isso é normal e é legal conversar com outras pessoas que também passam pela mesma situação, vocês vão rir juntos e vai levar numa boa!

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