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ENTREVISTAS

02/2020

Maíra Germano
Maíra Germano

A entrevistada deste mês

é a determinada e divertida
Maíra Germano,

28 anos, de Sorocaba (SP).

Ela nos conta como enfrentou

os desafios em ser uma pessoa

com Síndrome de Usher.

Confira!

1) Maíra conte para nós como descobriram sua surdez.

Bom, no começo da adolescência eu já tinha sinais discretos, mas lá pelos 14, 15 anos, fiquei bem mal... Mistura de emocional com uns resfriados que não passavam. Então minha mãe me levou no otorrinolaringologista, que pediu a audiometria, e constatou a surdez: perda bilateral neurossensorial moderadamente severa.

 

2) E a partir dai você começou usar aparelhos auditivos?

Tentei usar os aparelhos aos 15, 16 anos, mas adolescência e bullying é um fator que implica demais... E como me acostumei com a situação, só fui começar a usar mesmo com 21 anos. Eu cursava faculdade fora da minha cidade e eu queria entender bem o que falavam. No tempo que passei sem usar eles, não houve alteração no diagnóstico. Nem um dB de diferença.

 

3) Mas ficar sem aparelhos nesta fase não te atrapalhou você acompanhar as aulas?

Atrapalhava, mas salas de aulas são sempre bem barulhentas, eu tinha colegas que me passavam o conteúdo e também aprendi inconscientemente a fazer leitura labial.

 

4) Quando você começou usar os aparelhos, qual foi sua reação? Você acostumou bem?

Eu odiava. O mundo é muito barulhento... rs As pessoas não fazem ideia de como são barulhentas! Descobri que odeio barulho! rs Tive (e ainda tenho) dores de cabeça, daquelas enxaquecas que me levam para emergência. Mas aos poucos, me acostumei... Parece frescura minha, mas não é. É muito barulho, e isso não é bom para ninguém.

Hoje tenho maior consciência, então procuro sempre ir na fono, faço manutenção... Ontem mesmo, fui fazer audiometria porque estava muito irritada com barulhos, e também porque sem os aparelhos eu estou ouvindo algumas coisas que antes ou eu não notava ou não ouvia mesmo. Aí tivemos que diminuir o volume de um aparelho, e no fim houveram melhoras na condução sonora e compreensão de palavras... Minha fono fala que sou paranoica... rs

 

5) Maíra conte para nós quando você começou a ter problemas visuais.

Desde os 6 anos usava óculos e aos 19, me submeti a um excimer laser (cirurgia refrativa) e depois da cirurgia, meu médico achava que era mais emocional que real, porque eu enxergava buraco onde não tinha, tinha dificuldades ao sair do claro para o escuro e vice-versa. Então, depois de 2 anos persistindo na mesma queixa e tomando complexo vitamínico A, ele pediu exames para saber "se" tinha alguma outra coisa e realmente tinha... deu retinose pigmentar. Isso foi em 2015. Aí em 2017, comecei a enxergar tudo embaçado, como se estivesse diante de uma janela de ônibus. Em 2018 fui de novo no médico, achamos a ceratocone...

 

6) Depois que você foi diagnosticada com retinose, você fez acompanhamento com retinólogo? E foi com este médico que também descobriu a ceratocone?

Então, quando descobri a retinose, eu procurei um psicólogo, porque fiquei arrasada, nem cheguei a pensar em procurar retinologo porque quando encontrei a ceratocone, coincidentemente o médico é especialista em doenças de retinas e córneas.

 

7) Maíra, a ceratocone não faz parte da síndrome de Usher... mas pode acontecer com qualquer um.. você poderia explicar o que é ceratocone e como é o tratamento?

Isto mesmo, depende de "n" fatores: pode acontecer assim como glaucoma por exemplo, mas não faz parte da Usher, ok? Então vou explicar o que é a ceratocone: é quando a córnea se curva para fora do olho, tipo um cone. O tratamento é bem variável, pois tem gente que é forte candidato ao transplante de córneas. Tem gente que não pode se submeter ao transplante (como eu) pois implica outros problemas da visão e sobra a opção das lentes rígidas. Tem ainda gente que usa um anel, mas isso não sei se é aplicado só para ceratocone. E tem gente que apenas usa óculos com lentes bem curvadas. E no meu caso, eu uso as lentes rígidas. Tenho um óculos de tira-colo aqui, para os dias que quero descansar um pouco, porque as lentes tem tempo limite de uso (12hs de uso por dia, no máximo).

 

8) E depois que você descobriu a retinose pigmentar você soube que tem a síndrome de Usher? E você sabe qual é o seu tipo?

Eu comecei a revirar livros, internet, até que cheguei com os laudos na frente dos médicos (otorrino e oftalmo), e confirmamos juntos. O tipo é o 2.

 

9) Qual foi a sua reação ao saber da Síndromede Usher? E da sua familia e amigos?

Quando a gente aceita, isso meio que dá uma aliviada, sabe? Os esbarrões, tropeços, micos continuam (meu Deus, como tem mico!) mas dá uma suavizada... E eu sempre amei ler, então isso às vezes irrita rs Irrita mais que barulho... rs

Minha família (no caso minha mãe) ainda tem um pouco de dificuldade de entender e aceitar e acha que a culpa é dela. Meus amigos, pouquíssimos ficaram perto, e menos ainda mantiveram contato. Eu fiquei aliviada do "problema" ter nome, ter uma denominação. Eu tive uma crise de identidade porque estava me definindo demais pela síndrome e não por quem eu realmente era.

Os psicólogos que consultei não me ajudaram muito. Hoje não vou mais, porque eles acharam que eu estava fazendo cena, que era só um diagnóstico. Errados não estavam, mas a forma de abordagem não foi muito ética. Eu estava muito vulnerável naquela época... E aos poucos, eu voltei a fazer as coisas que sempre gostei e fazia. Ainda tenho partes para recuperar, mas estou uns 85% refeita.

 

10) E no caso, então, qual é a sua dica para procurar ajuda profissional?

Procure bem. Quando passar com os médicos especialistas, peça indicação. Se for o caso de passar pelo psiquiatra para pegar encaminhamento para terapias, deixar claro que você procura apoio para lidar com a síndrome. Senão eles vão socando remedinho aqui ou ali.... rs Se houver problema depressivo, se estiver deprimido, aí sim. Mas não fica só na medicação. Procure a terapia.

 

11) Na sua família, tem mais casos de pessoas com síndrome de Usher?

Não que saiba. Mas constam um ou outro com surdez ou com problemas visuais como catarata. Mas sempre depois dos 65 anos. Acho que já nasci na terceira idade... rs

 

12) Maíra você acha que se tornou uma pessoa melhor depois que soube da Usher?

Me tornei mais observadora, mais realista, mais briguenta por direitos não apenas meus, mas de todo mundo. Estou com a mente mais aberta... E mais focada e atenta também.

 

13) Você acha que precisa melhorar muito em termos de direitos, acessibilidade em relação às pessoas com deficiência? Qual seria a sua sugestão?

Acho que deveria ter maior conscientização de modo geral na sociedade seja escolas, empresas, etc., sobre barulhos em locais públicos (alto volume) e de iluminação pública. Quanto à questão da mobilidade deveria ter melhorias em calçadas (nivelamento).

 

14) Você fez curso de orientação e mobilidade? Usa bengala?

Me oriento no tombo mesmo hahaha... Tenho a bengala para uso de emergência, do tipo, ter que sair à noite sozinha em lugar estranho (coisa que não acontece).

 

15) Qual dica que você dá para pessoas que tem Usher para evitar acidentes, tropeços, etc... você tem sugestões?

Olha... eu tenho memória fotográfica, auditiva e tátil, mas acredito que ajuda a prevenir acidentes indesejáveis. Andar com calma, observar o ambiente e reparar em detalhes, isso ajuda a se ambientar no aspecto visual. No caso de audição, procurar evitar muita gente falando ao mesmo tempo e procurar focar num som específico, isso ajuda a não se perder.

Procure manter a calma e não ter pressa de andar ou ouvir. Se for uma roda de conversa, avisa que está se ambientando. Se for num ambiente meio na penumbra, avisa que você está se ambientando.

Tenho costume de contar mentalmente quantos passos me levam a tal lugar, saindo de casa (moro no centro da cidade), isso me ajuda também.

Ah outra coisa sobre a audição: eu assisto muitas séries estrangeiras, e me atento ao jeito de falar e não ao idioma. Isso ajuda a compreender em português também. Para quem adora idiomas, recomendo que procure idiomas que te dão vontade de rir. São os mais gostosos de aprender.

 

16) E você tem dicas no trabalho e nos estudos?

Sobre trabalho: não tenha receio de dizer suas dificuldades se o cargo não for exatamente o que queria. Porque falo isso? Porque tem muito gestor que é quadrado e não aceita diferenças e limitações. Mas se ele te contratou, então exponha quais são as suas dificuldades. Mas faça isso com o RH perto. É um direito seu.

Existem um rol gigante de cursos. Seja superior, técnico, mas faça. Não se sente bem na sala de aula? Faça um EAD. Tem o mesmo valor de um presencial e você aprende muito mais e ainda desenvolve sua capacidade autodidata (aprende sozinho). Não tenha medo de fazer cursos de idiomas. Cada caso é um caso, mas com o professor particular você consegue ficar menos em sobreviver e mais em aprender. Você explica as suas dificuldades e foca em superá-las. Eu tenho uma dificuldade em pronunciar o "s" ou "z" no final das palavras. O inglês me ajudou a melhorar isso. Em relação ao sotaque estrangeiro, use-o ao máximo. Se quiser perder um pouco, faça leituras em voz alta.

 

17) Você tem planos futuros Maíra? Gostaria de compartilhar conosco?

Sobreviver aos tombos e micos está no topo da lista rs... mas pretendo sair do país: fazer um doutorado em finanças, fazer a diferença no mundo de alguma forma.

 

18) Maíra, qual conselho você daria para uma pessoa que acabou de saber que tem a síndrome de Usher?

Chore, esperneie, se irrite, fique triste. Quando você cansar, levanta a cabeça, respira fundo e foca em alguma coisa. Procura algo para se dedicar e não pare!

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