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ENTREVISTAS

03/2019

Rafaela Adle
Rafaela Adle

A entrevistada deste mês é a Rafaela Adle,
de 26 anos de idade,
de Campinas - São Paulo.

Ela nos conta sobre a sua convivência com
a Síndrome de Usher
e sua paixão por LIBRAS.
Leia mais esta emocionante entrevista!

1) Rafaela, conte para nós como foi que descobriram a sua surdez.

Nasci surda e até os quatro anos eu não falava completamente nada. Uma vez, a minha mãe lendo a revista “Crescer” que tem foco especial em crianças, ela viu um questionário para saber se o filho é surdo. Então ela seguiu os testes e concluiu que eu tinha problemas para escutar.

Depois disto, minha mãe me levou ao médico explicando que achava que eu tinha algum problema auditivo, mas o médico foi ignorante, dizendo que eu possuía apenas “manha”. Então ele fez um teste atrás de mim chamando bem alto pelo meu nome: “RAFAELA” e eu correspondi... “Está vendo mãe? Ela não é surda, ela conseguiu me ouvir”, ele disse... Mas na verdade, eu não sou surda profunda, tenho algum resíduo auditivo. E mesmo assim, minha mãe persistiu, não se aquietou enquanto o médico não fizesse exames completos da audição. O médico enfim, solicitou os exames e com os resultados, constatou que eu sou surda moderada.

2) E a partir daí você começou a usar aparelhos auditivos? Fez acompanhamento com fonoaudiólogos?

Assim que descobriram a minha surdez, tivemos que entrar na fila dos SUS (Sistema Único de Saúde) para obter os meus aparelhos auditivos gratuitos. Após 2 anos de espera dos meus aparelhos auditivos, comecei a fazer acompanhamento fonoaudiológico até os meus 10 anos de idade, porque eu tinha que aprender a falar corretamente.

Só para ressaltar aqui: quando eu passei na fonoaudióloga, ela perguntou à minha mãe se queria que eu aprendesse a falar a língua portuguesa ou a LIBRAS, que é a Língua Brasileira de Sinais. Minha mãe disse: “Nossa vai ser muito difícil ela aprender LIBRAS que é uma língua desconhecida...”. Na época, a LIBRAS não tinha lei e somente em 2002 é que foi oficializada como segunda língua do Brasil. Então, minha mãe optou para que eu falasse a língua portuguesa. E por conta disso aprendi fazer leitura labial e até hoje sou dependente de leitura labial mesmo com o uso dos aparelhos auditivos.

3) Você acha que sua mãe fez uma boa opção de ter escolhido pra você aprender a Língua Portuguesa?

Olhando lá para trás, se foi uma boa opção ou não, eu vou dizer que sim. O português é um idioma difícil. Se eu tivesse aprendido a língua portuguesa como minha segunda língua, teria muito mais dificuldades, porque LIBRAS e português são completamente diferente um do outro.

4) Como foi a sua adaptação na escola?

Para mim foi muito difícil, apesar de usar aparelhos auditivos sempre fui dependente da leitura labial, então algumas coisas eu ouvia e outras não. Por exemplo: os professores ditavam textos e andavam pela sala e isto dificultava para eu fazer leitura labial. Minha mãe sempre ia na escola e explicava que eu era surda e pedia para que os professores olhassem para mim enquanto falassem, para facilitar a leitura labial. Mas infelizmente os professores, não seguiam as instruções. Resumindo: não tinha nenhuma inclusão para mim.

 

5) Na escola você sofreu preconceito, bullying?

Sim. Sempre fui dependente da leitura labial e por causa disso, sentava na frente para que eu pudesse enxergar a boca do professor. Mas como eu era alta e isso atrapalhava para que os meus colegas pudessem ver a lousa, eles falavam que eu era a “girafa” da sala. Eram vários apelidos que agora não me recordo.

Lembro de um episódio que me marcou muito, estava na quarta série, e tinha uma moça que era surda profunda e falava somente em LIBRAS. Portanto, ela não ouvia quando os colegas de classe a chamava de “mudinha”, “burra” e outros apelidos horríveis e eu ficava magoada, porque eu também era surda. Então, fiz uma promessa para mim que iria me tornar professora para que meus alunos surdos não passassem pelo que essa minha colega de sala passou.

6) Hoje você se sente realizada como professora?

Atualmente estou dando aulas de LIBRAS, mas ainda tem muita coisa que eu quero fazer, então não posso dizer que estou totalmente realizada, porque tenho muitos objetivos, muitos sonhos na minha área profissional.

7) E como foi que você aprendeu LIBRAS?

Aprendi LIBRAS no ensino fundamental, na escola EMEFM Vitor Szczepanski Souza e Silva, em Paulínia/SP, onde tinha alunos surdos. Participava do Coral de LIBRAS e também fiz teatro em LIBRAS. Tenho um amor muito grande com esta língua e nunca vou deixar de falar LIBRAS.   

8) Rafaela, como foi que você descobriu a retinose pigmentar?

Desde 2014 tenho sentido que alguma coisa não estava legal comigo, eu já não andava mais à noite porque eu vivia tropeçando nas pessoas e em qualquer objeto e também caia frequentemente. E nesta época estava na faculdade e troquei meu horário da noite para período da manhã. Só fui buscar respostas quando eu estava trabalhando com atendimento público em uma empresa e ficou bem claro que eu tinha algum problema de visão. Passei por vários médicos e um deles me passou o exame de campo visual e foi aí que saiu o diagnóstico da retinose pigmentar.

9) Foi aí que você soube que tem a Síndrome de Usher?

A oftalmologista que me atendeu não conseguiu interpretar meu exame, então me encaminhou para o oftalmologista especializado em glaucoma. Chegando lá, ele me examinou e disse que eu não tinha glaucoma, mas estava com suspeita de que eu tinha retinose pigmentar. Então ele me encaminhou para um retinólogo. O Dr. Carlos Porto, me diagnosticou com a retinose pigmentar e sabendo da minha surdez, me explicou que se tratava da síndrome de Usher, tipo 2.

10) Qual foi sua reação ao saber do diagnóstico da retinose e consequentemente a Síndrome de Usher?

Ah não foi fácil... estava com meu marido no dia que recebemos o diagnóstico e começamos a chorar no consultório médico. A primeira pergunta que fiz para o médico foi: “Vou ficar cega?”. O médico não sabia dizer ao certo e me explicou que não era assim tão de repente, mas que a doença pode progredir. Nossa... minha cabeça ficou muito confusa com todas essas informações e fiquei muito triste e me perguntava “como assim eu tenho não só uma deficiência, mas duas?”.

11) Rafaela, tem mais casos de surdez e/ou retinose na sua família? Você é filha única?

O meu pai, tem deficiência auditiva leve e minha mãe tem três tias que estão perdendo a visão, mas não sei dizer se é por causa da retinose pigmentar.

Não sou filha única, tem o Tiago que é meu irmão mais velho e o meu irmão caçula Mateus, nenhum dos dois possui deficiência.  

12) Você chegou conhecer pessoalmente outra pessoa com Usher?

Até agora conheci somente uma pessoa que é a Lara Gontijo, no simpósio de Jundiaí/SP. Fiquei feliz de tê-la conhecido e saber que ela é uma pessoa militante na causa do Usher.

13) Você fez testes genéticos? Você sabe qual é o seu tipo?

Não. Eu não cheguei fazer teste genético porque são caros, enfim eu ainda não tive oportunidade de fazer os testes, mas a geneticista me explicou que eu sou tipo 2, no fato de eu escutar um pouco e ter um pouco de visão.

14) E depois que ficou sabendo da retinose, você passou a ter mais cuidados? Você tem dicas para evitar acidentes?

Depois que descobri a retinose pigmentar, comecei a criar estratégias como por exemplo, combino com meu marido: “vai na frente e me mostre alguns obstáculos como degraus e outras coisas”, isto ajuda muito.

Em casa, estou mudando algumas coisas, por exemplo: não utilizo copos de vidro, substitui por plástico com cores fortes como vermelho e azul, para que eu consiga visualizar. Outra adaptação que fiz foram com os sapatos. Quando as pessoas chegam em casa tiram o tênis e o chinelo e põem na área de serviço, porque se deixar no meio da sala, posso tropeçar pois não vejo o que está abaixo do meu queixo.

 

15) Você acha que existe muito preconceito em relação às pessoas com baixa visão?

Existe sim, pois algumas pessoas não aparentam ter baixa visão, pois os olhos são fisicamente perfeitos, o que é meu caso. Olhando pra mim, ninguém diz que tenho baixa visão, e as vezes se torna um problema, pois as pessoas acham estranho de me verem usando a bengala. Para a sociedade de hoje, o uso da bengala é somente para pessoas com cegueira total e desconhecem a baixa visão.

Tenho esperança de algum tempo, a sociedade saberá distinguir entre a pessoa cega total da pessoa com baixa visão, através conscientização das cores das bengalas: branca é para pessoa cega total, branca e vermelha para pessoas surdocegas e a verde para baixa visão.

 

16) Rafaela você e seu marido desejam ter filhos?

Sim, eu e meu marido desejamos ter filhos. Quando descobri a retinose pigmentar, um dos meus maiores medos foi “como que é ser mãe com baixa visão?” Hoje eu tenho contato com pessoas cegas e com baixa visão, no qual elas compartilham experiencias, e como se adaptam na maternidade.

 

17) Rafaela, o que você acha da acessibilidade aqui no Brasil?

O Brasil, está engatinhando em termos de acessibilidade. Ainda tem muito a ser melhorado na inclusão da pessoa com deficiência em todo contexto, tanto na área educacional e da saúde. A maioria dos profissionais de saúde desconhecem a síndrome de Usher, e quando vou ao médico tenho que explicar a minha patologia... não deveria ser ao contrário?

 

18) Você como professora, o que você mudaria por exemplo, em termos de inclusão escolar?

Atualmente, ofereço desconto para professores que desejam aprender LIBRAS, pois o meu foco é estimular a inclusão do aluno surdo nas escolas. E sempre explico o quanto é difícil ter que enfrentar as limitações do dia a dia, mas que pode ser minimizada se forem colocadas no lugar deles (pessoas com deficiência), pois não é uma luta solitária e sim solidária.

 

19) Como professora, você não tem dificuldades em acompanhar os alunos?

São dificuldades que consigo adaptar, por exemplo: combino com os alunos quando se dirigir a mim, para ir a direção do meu olho para que eu possa vê-lo. Outra coisa, também é quando o aluno está muito perto peço que afaste um pouco ou eu me afasto para que eu possa ver ele sinalizando em LIBRAS.

 

20) Você fala para seus amigos e familiares sobre a Usher?

Como é recente a minha descoberta da síndrome de Usher, estou contando aos poucos. Acredito que com essa entrevista, será uma oportunidade de divulgar para os meus familiares e amigos que possuo baixa visão e surdez e consequentemente a síndrome de Usher.

 

21) Que conselho você daria para uma pessoa que acabou de saber que tem a síndrome de Usher?

Tenha calma, não se desespere. É ruim quando a gente não sabe o que fazer. Primeiro temos que se aceitar. Por exemplo: antes me apresentava como surda e agora me identifico como surdacega.

Experimente os dois universos que você pertence que é a comunidade surda e pessoas cegas. Seja você a ponte entre esses dois mundos. Antigamente, tinha total foco para comunidade surda e hoje estou mergulhando no universo dos cegos e é incrível, estou descobrindo muita coisa e me sentindo uma pessoa cada dia mais forte.

Rafaela Adle tem uma página no facebook que se chama

C0NECTE LIBRAS. 
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